Era o dia do velório do João, um dia chuvoso e triste. “Um exemplo para toda a família”, diziam os familiares. Um homem alto, com olhos azuis e forte. Porém depois de quase 50 anos trabalhando sucumbiu. Foram quase 70 anos de vida e quase zero de faltas no serviço. Aposento? Sim. Mas não foi suficiente, teve que continuar a trabalhar. “ Vou virar político”, dizia. Nunca viajou para outro país ou saiu de sua cidade. Passou a vida do trabalho para casa e da casa para o trabalho. Adorava sentar na varanda em sua cadeira de balanço e ficar observando as pessoas passarem na rua. Cada uma com sua história. “Eu conhecia todo mundo aqui, agora já nem sei mais quem são. Olha aquele guri com tatuagem! Que coisa mais feia”, costumava comentar quando sua esposa o acompanhava. A cidade continuava a crescer e a varanda teve de ser abandonada já que o volume de carros passando e a velocidade com que passavam na frente de sua casa o irritavam. Os vizinhos que costumava conhecer e jogar conversa fora haviam se mudado. O primeiro a vender a casa para a construção de um prédio onde havia ganhado um apartamento, já havia batido as botas. Já não tinha mais graça, inclusive andar pelo quintal, já que a única coisa que dava para se observar era mais um arranha céu. Quando percebera a sua era a única casa da antiga vizinhança que resistia. Olhava todos os dias aquelas construções monstruosas e sentia saudade, sentia que haviam roubado a única coisa que amava mais que tudo na vida: sossego. As doenças começaram a aparecer. Pessoas estranhas. Barulhos noturnos. Carros e mais carros. Sua inquietação era evidente. Já não tinha mais vontade de chegar em casa. Preferia ficar no trabalho e fazer mais horas e horas. Até que um dia, ao voltar tarde da noite, um jovem o abordou com uma faca na mão e anunciou o assalto. Sem saber o que fazer tentou se desvencilhar do marginal e caiu. Enquanto via ele correr, não sentia a sua perna e não conseguia levantar. Foi a terceira pessoa a passar pelo local que chamou uma ambulância. Já não podia mais andar. E a tristeza começou a dominar o coração. Nas suas últimas horas de vida. Foi até a varanda em sua cadeira e começou a relembrar dos momentos vividos naquela casa. Os filhos a correr pela vizinhança ou estragando alguma planta no quintal e como eles cresceram e já não frequentavam tanto a sua casa. Os vizinhos que já não estavam lá. E as horas passadas ali naquele local. Brincando de adivinhar o que estava na mente de cada um que passava. Aquele era o seu castelo. Deu um último suspiro e se foi… Era o dia do seu velório… e a chuva caía como as lágrimas de sua amada. Desde que casaram há 40 anos ela esteve ao lado de João. Na alegria e na tristeza. Até que a morte os separou. Diferente de seus filhos com suas vidas complicadas. Um já estava na segunda esposa e tinha uma filha do primeiro casamento. Já o outro continuava nas festas e bebedeiras. A vida era simples para o casal. “ A felicidade está nas pequenas coisas da vida. Simplesmente vivam meus filhos”, costumava dizer. Porém eles acreditavam que ele deveria viajar e fazer mais coisas. Mal sabiam que aquela casa e aquele quintal eram um mundo particular para João. Observar os animais, cuidar de sua horta e ficar na varanda…. Até ter seu mundo roubado pelos assombrosos novos vizinhos. Chegava a hora do enterro. Uma vida. Dias e dias. Anos… que se foram. Um ciclo que chegava ao fim. “ Ele não desperdiçou um dia de sua vida, como sempre pensamos. Ele viveu a felicidade em sua plenitude. Em seu mundo. Enquanto todos tentavam agradar aos outros ele se preocupava apenas em viver os sabores de sua simplória existência. Não precisamos de muito para isso. Apenas precisamos entender o quão bom é estar vivo e poder desfrutar de momentos na varanda”, discursou um dos filhos.
terça-feira, 11 de abril de 2017
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