quinta-feira, 30 de março de 2017

Crônicas de um intercambista: O Monge

Estávamos animados. Meus amigos e eu acabávamos de chegar na primeira cidade de oito em nosso mochilão pela Europa. Havíamos saído de Dublin, Irlanda, e depois de duas horas de vôo, a aeronave começava o procedimento de pouso no aeroporto de Porto, Portugal. A descida foi tranquila e dentro do horário, logo tocaram a famosa musiquinha da Ryanair, companhia famosa entre os intercambistas e europeus pelos seus preços baratos. Começava o procedimento que, ao fim da viagem, já estaríamos craques. Pegamos as bagagens e nos dirigimos para o guichê da imigração. Como era de se esperar, dois apenas estavam funcionando para pessoas não europeias e uma fila enorme se formara. Estávamos um pouco mais para a frente da metade quando um monge, provavelmente, tibetano com suas vestes típicas laranja e vermelha, cabelo raspado se apresentou no guichê. Continuamos conversando e nada de o monge ser liberado. Enquanto isso a fila andava. E nós, preocupados. “Olha lá o cara ainda não passou, será que vamos passar”, falávamos. E o monge continuava a conversar e puxar documentos. A tensão começava a bater. E a fila andando, mais lentamente, já que o monge ocupava um dos guichês. Quando estava próximo de minha vez tentei ouvir um pouco a conversa entre o funcionário do aeroporto e o monge que continuava ali. Falando e apresentando documentos. Já havia se passado, acredito, mais de 10 minutos. Liberado um guichê, era a minha vez. “ Putz, será que vão me barrar?”, pensei. 

- Passaporte.

- Está aqui. 

- Brasileiro é!? 

- Sim.

- Tem muitos brasileiros a vir para cá. Estás em casa. Pode passar, tudo certo.- Falou o funcionário carimbando e me devolvendo o passaporte. 

Ao meu lado, continuava o monge. Passei pela catraca e esperei meus amigos, que, também, passaram sem problemas. E o monge? Continuava lá. Claro, virou motivo de piada. Mas o mais engraçado era a paciência que ele demonstrava. Sem levantar a voz ou bater na mesa. Começamos a nos dirigir para o metrô, só que não encontrávamos a saída. Até que vi uma escada rolante e fui descendo, enquantos meus amigos falavam: “Não é aí o metrô”. Então um homem engravatado que estava na minha frente questionou:

- Estás a procurar o Métro? 

- Sim. - Respondi segurando o riso, meio sem entender. Porque métro é unidade de medida em Brasileiro. - É aqui mesmo. 


Chamei meus amigos e descemos, caminhamos uns 50 metros e chegamos na estação. Era hora de comprar o cartão “Andante”, para que pudéssemos usufruir por três dias do metrô ou métro. E a fila? Bem era igual aqui. Enorme. E seguimos nosso rumo, sem nunca mais encontrar o monge. Que deve estar ainda a apresentar documentos na imigração.

terça-feira, 28 de março de 2017

A chuva!


Enquanto a chuva caía muitos questionamentos vinham em minha cabeça. Que personagem… a chuva. Vale uma crônica. Muitas vezes amada e outras odiada. Algoz do amor e do ódio. Talvez a chuva seja a essência da dualidade da existência. Afinal, quantas cenas de pessoa chorando ou se beijando na chuva já passaram no cinema? Esse duplo papel é que é instigante e intrigante. Como no campo. Já que chuva de menos ou de mais podem destruir uma lavoura. Ela tem que ser na medida exata. Ou na cidade. Já que quando está calor, todos a querem mas se é demais provoca enchentes e destruição. Amada e odiada. Salvadora ou destruidora. Viram porque a chuva merece uma crônica? Não ela não me veio trazer memórias de criança. Mesmo que jogássemos futebol toda vez que sua presença era garantida. E que depois das partidas chegava molhado e sujo, mas com um sorriso no rosto. Os medos durante as tempestades e a chuva mandando seus raios avassaladores ou pedras de gelo. Você pode pensar nela apenas como um fenômeno natural. Com suas explicações científicas. Mas já parou para pensar na chuva como uma personagem? Que grande mensagem ela traria para a sua audiência, não acham?. Ou seria um espelho? Afinal, carregamos essa dualidade dentro de nós. Somos destruidores e salvadores. Responsáveis pelos maiores atos de amor e de ódio. Carregamos dentro de nós capacidade para construir ou destruir. Fertilizar ou secar. E como a chuva…. desempenhamos nosso papel dentro da natureza, que pode ser uma metáfora para a sociedade. Não me admira que a natureza seja mãe de muitos deuses antigos e lendas. Com toda essa força dentro de si. Bem como não me admira a existência de um deus humano. Afinal o que é a chuva? o que somos nós? Esse texto pode parecer besta. Porém muito mais do que respostas. Busco pelas perguntas. E no meio dessa tempestade de pensamentos que se transformam em frases, fica a certeza de que pouco controlamos a nós, os outros ou a chuva que caí nesse momento. Lavando ou inundando a alma. Trazendo amor, ódio, lamento e paz. Enquanto uma música toma conta do pensamento…. “Eu perdi o meu medo, meu medo da chuva, pois a chuva voltando para terra traz coisas do ar. Aprendi o segredo o segredo da vida, vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar….”.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Crônicas de um intercambista: Uma noite em Bruxelas

Era noite e o sono já tomava conta. Havíamos passado o dia em Bruxelas, na Bélgica, andando por toda a cidade com as nossas mochilas. Tínhamos vindo de Amsterdam, na Holanda, e era hora de esperar na estação de trem a chegada do ônibus para Paris. Tranquilo, certo? Errado. Ao chegar na estação sentamos em um banco e o que chamou a atenção foi a sujeira do local. Era hora de dormir. Ou pelo menos foi o que pensamos. De repente um homem vestido com um terno e diversas roupas juntas carregando um carrinho cheio de coisas começou a brigar consigo e a conversar com algum amigo invisível. Falando e falando. Ele pegava coisas e voltava. Estava com uma tesoura na mão. Devido ao fato de não conseguirmos tirar um cochilo. Decidimos ir para outro banco. Tiramos a sujeira e sentamos. Meus amigos então deitaram e começaram a cochilar. Eu, por outro lado,não estava com sono. Então dei uma volta pela estação e, confesso, tive um pouco de medo. Parecia uma cena de filme. Com diversas pessoas estranhas e mal encaradas.
Não lembro exatamente o motivo, mas decidimos descer e esperar no pequeno espaço com umas seis cadeiras e um banheiro que era a sala de espera para os ônibus. Hora de cochilar? Não muito. Já que a porta automática ficava abrindo e fechando sem parar. Como se um fantasma estivesse entrando e saindo da sala. Então trocamos, mais uma vez, de lugar. Quando tudo parecia tranquilo, porém. Chega um inglês,que não me recordo o nome, com cabelo comprido, um terno batido e uma mala. Se dirige até o banheiro e tenta abrir a porta. Nesse momento, falei as palavras que iria me arrepender e muito: 

- O banheiro está fechado porque já passou da meia noite

- Sério? Queria ir para o hotel. - uma pausa - Vocês são de onde?

E assim começava mais um calvário. Ele sentou ao nosso lado e começou a falar e falar e falar. Sobre o Brasil, sobre viagens, sobre bruxelas e, nessa hora, perdi a memória. A única coisa que lembro era pensar: “Como vamos nos livrar desse chato”. Olhei para os meus amigos cansados de ouvir as histórias daquele ser estranho que não ia para o hotel de jeito nenhum. “Não pode ficar pior que isso. Um cubículo, uma porta abrindo e fechando sem parar e um inglês falando mais que dez faustões”, pensei. De súbito surge um policial com um cachorro rosnando alto, enquanto ele berrava que a estação estava fechada. O gelo começou no pé e terminou na orelha. Um homem que estava com sua mulher ao nosso lado foi pegar sua mala e quase foi mordido. Deu um pulo para trás. Então o guarda puxou o cachorro. Ele pegou a mala e saímos. E o inglês? Continuou falando. Mas, dessa vez, começou a interagir com as outras pessoas que aguardavam conosco. Enquanto isso, diversos ônibus chegavam com destino à Paris, mas de outras empresas. Aproveitei um desses embalos e falei para os meus amigos: “O ônibus chegou”. E saí. Eles me acompanharam. Só assim para nos livrarmos do chato. Mas ele se manteve firme e falando sem parar com os que ficaram.
O horário de saída era duas da manhã. Olhamos no relógio e o ônibus já estava atrasado. Após meia hora de uma espera angustiante, finalmente, ele apareceu. O motorista - um baixinho e careca que lembrava muito o ator americano Danny DeVito - desceu apressado e foi abrindo o bagageiro. Colocamos nossas mochilas e entramos. Foi quando vi que os assentos estavam cheios. “Estranho”, pensei. Sentei no primeiro banco disponível. Nesse momento o motorista entrou. Foi quando vi uma mulher e um homem vindo de trás do ônibus. Na hora que “Denny” ia fechar a porta. Eles o cutucaram: 

- Com licença. Aqui é Bruxelas? 

- Sim. 

- É que vamos descer aqui. 

- Meu deus! Eu esqueci completamente! Me desculpe! - Respondeu o motorista atordoado. 

Desceu imediatamente, abriu o bagageiro e entregou as malas do casal. Correu para dentro do ônibus, pegou uma prancheta e começou a chamar nome por nome as pessoas que iriam descer ali. “ Quase que voltam para Paris”, pensei. Depois de todos descerem, apavorado, o motorista ainda deu mais um conferida. Seguimos viagem e finalmente consegui dormir. Quando acordei, já estávamos em Paris e outro motorista ocupava o volante. Era o fim de uma noite em Bruxelas.

terça-feira, 21 de março de 2017

A carne é fraca

Um gole de cerveja para apaziguar o calor que fazia. Era sexta-feira, Marcelo tinha encontrado João e foram tomar uma “gelada” no bar do Zé. Pelo menos é o que pensavam. Ao chegarem, o local já não era o mesmo. No letreiro: “Encantos Pub”. Ao entrarem viram uma decoração diferente. As meses haviam mudado de lugar. Mas o que mais chamou atenção foi o movimento. O bar do Zé estava sempre vazio. Pegaram as suas cervejas e sentaram em uma mesa ao canto, mais afastada do agito. 

- Quanta gente. - falou Marcos

- Nem me fala rapaz. Nossa que música alta, nem da de conversar direito.

- É verdade.
- Nossa olha aquilo cara, que mulherada linda. Não podemos ficar vindo aqui não. Minha mulher não ia gostar e sabe…. A carne é fraca.
- Como assim a carne é fraca? Nao vai me dizer que tu caiu nesse golpe da operação da Federa “Carne Fraca”l?
- Não cara, não foi…
- Para de ser ridículo rapaz. Essa operação foi os americanos que pagaram a Polícia para fazer e assim desestabilizar o setor que mais cresce e exporta em nosso país. Para que eles possam abrir mercado para carne deles. Se bobear até o governo brasileiro teve participação para desviar o foco da reforma da previdência. Foram alguns frigoríficos só. A maioria é sério…
- Marco, não foi …

- Nem vem com esses argumentos aí de que essa espetacularização que a Federal fez tá certo. Porque eles podiam ter feito reservadamente essas prisões e não iria afetar a ninguém. Aliás, ninguém deveria ficar sabendo disso. Já pensou? E agora? É o fim da carne brasileira. Acabou. Milhares de desempregados. Não pensaram no interesse nacional.
- Mas cara eu não…
- Para,nem adianta argumentar que eu sou a favor de carne podre, frango com água ou da ilegalidade que não é isso que to falando. To falando desse circo montado. E nem adianta dizer que é porque os frigoríficos investigados vendiam em todo o território nacional e exportavam. E que isso é pauta nacional porque afeta milhões de brasileiros e eles tem o direito de saber o que estão consumindo, que não é bem assim. E não vem com essa de que o mercado agora vai regular e o consumidor vai ser mais exigente. Não era para ter sido assim. É que esses policiais acham que estão em um filme americano. Querem ser os heróis e prender os bandidos. Para né!? Tá na hora de eles se preocuparem mais com o trabalho deles do que fazer esse circo. Onde já se viu Policia prendendo bandido em rede nacional. As pessoas não tinham que saber e a imagem da carne brasileira tinha que ser venerada! Temos a melhor carne e agora isso para ferrar...

- Porra, cala a boca! - Berrou Marcelo aproveitando um segundo de silêncio- Eu não falei dessa merda de operação. Falei que não foi um boa ideia ter vindo aqui. Porque tem uma mulherada e a carne é fraca.
- Como assim?
- Fica nesse celular ai e não presta atenção. Tais chato heim!? Pede um petisco de carne com papelão ai que vou no banheiro.
E os dois caíram na gargalhada. Beberam até anoitecer e foram embora. Mas ficara a lição:  Nada de celular na roda de conversa. 

terça-feira, 14 de março de 2017

O Salvador

Olhos focados, dedos nervosos e muitas palavras digitadas em seu computador. Ideias e mais ideias. Mais um dia na sua rotina. Seus cabelos caídos e uma tatuagem em sua mão. A caneca de café ao lado. Mais e mais palavras no computador e pausa. Mão na caneca e um gole de café na boca. “ Acho que agora fui bem”, pensa. Logo os músculos da sua cara começam a se mover tentando expressar a indignação que passa em seu interior. “Isso não vai ficar assim!”, e o ciclo recomeça. Olhos fixados, dedos nervosos e mais e mais palavras digitadas. Sua mão se move na velocidade das palavras que passam por sua cabeça. Mas, desta vez, não houve pausa para o café. E logo se joga contra a cadeira com uma satisfação de quem acabara de devorar uma caixa de chocolate. “ Agora já era. Não tem resposta”, pensa. Até que novamente a indignação recomeça e mais uma vez o ciclo foi ativado. E assim foi por quase toda a tarde no escritório. Até que seu chefe começa a perceber toda a agitação. Fingindo que precisava pegar alguns papéis foi até a mesa perguntou:

- Tens o contrato?
- Está em cima desta pilha.- responde sem nem olhar nos olhos de seu superior.
- Está tudo bem?
- Está sim.

Vendo a falta de interatividade e interesse o chefe tenta dar uma espiada na tela. Porém com seus ligeiros dedos ele muda a tela e recoloca no software da empresa. Aproveitando para dar aquela olhada no homem grisalho que estava parado em sua frente.

- Mais alguma coisa?- questiona.
- Não. Era isso.

Tentou focar no trabalho, mas parecia que algo lhe chamava para a discussão acalorada que estava tendo em sua página no Facebook. Então entrou novamente nos comentários e lá estava o objeto de suas adagas afiadas. E o ciclo? Se reiniciou. “ Ele não pode pensar isso dos pobres”, pensa e dá mais um gole em seu café. “ A sociedade está toda errada. O mundo está errado. Pessoas passam fome e isso é o fator principal para o aumento da violência. Temos que mudar o país. Temos que mudar tudo. Nossos políticos, nossos juízes, nossa escola, nosso futebol, nossa economia. Tudo! Temos que agir. Alguém tem que colocar o Brasil de volta nos eixos. Tem que ter alguém”, pensa, escreve, apaga, reescreve e posta. Olha o horário no relógio do computador. “Chega de salvar o mundo”. Desliga o computador, pega as chaves da sua mercedes, se despede de todos e se vai.