Dia lindo, sol a pino. Tempo de ir à praia. Hora de caminhar na areia, ver as belezas alheias. Uma cena. Uma obra perdida, salva, apenas, pela minha retina. Um homem de vestes brancas, rosto coberto por um capuz caminha em minha direção. Para, olha um graveto em sua frente o pega e começa a desenhar. Que cena peculiar! Apresso o passo e me esgueiro sobre o ombro do artista. Apenas uns traços se desenham na areia... Linhas, curvas... Uma forma! Um bebe a caminhar. Paro e analiso os seus movimentos às vezes suaves, às vezes bruscos, mas sempre sem hesitar. As mãos não param e começam a desenhar uma pequena criança em seu quintal... Videogame, peão, bolinha de gude, computador, bola de futebol e outras crianças ao redor. Um sorriso no rosto. Belos momentos. No próximo quadro, canetas, lápis de colorir, borracha, ensinamentos... Um primeiro amor não correspondido. Primeira decepção. E em cada novo traço um historia a se contar. As mãos enfurecidas não param. Adolescência: bebidas, incertezas, violão, musica, teatro, arte... Descobrimento de si. Rebeldia, em sua consciência. Pouca experiência. Tudo em apenas um lugar. Um quarto. “Que obra!”, pensei comigo. Logo veio o crescimento... O trabalho, a caneta, o papel... A câmera. Cenas de terror e amor. Varias paixões...Mas apenas um amor. Tudo em uma cena... “Parece que reconheço estes traços...”, penso. Enquanto as mãos continuam a se mover ferozmente e em cada novo quadro, uma história. Dores, alegrias, decepções, surpresas... Uma vida! De repente uma mudança... Família, amor... Todos distantes. Um quarto, um computador. Ideais... Aprendizados... Sabedoria... Certezas... “Certezas?”, questiono-me. Admiro mais uma vez aquela arte. O bebê, sem saber o que lhe aguarda, vencendo e aprendendo a cada dia, como falar, como andar... O como. A criança aprendendo a contar, a se comportar, o certo e errado, ciências, biologia, o que é o sexo oposto... Como agir. O adolescente aprendendo a se rebelar, a se perder, a buscar a si, a pensar... Como ser. O adulto aprendendo as responsabilidades, a trabalhar duro, a conquistar seu espaço, a construir uma família, a ser dono de si... Como ser sábio. Orgulho, poder, riquezas... Palavras do mundo adulto que começam a aparecer. E no fim da obra três pontos (...). Sem entender encosto meu dedo no ombro do artista para lhe questionar sobre tal final. Ele se vira. Um susto. Olhos verdes ou azuis, óculos pretos, cabelo raspados e louros. Uma imagem de mim. “O sol ainda está a pino, porém logo começará o entardecer e a maré subirá e apenas partes desta obra sobrarão por mais algum tempo. Até o mar do tempo consumir o que sobrar. Se apresse... depende de você como essa história terminará”. Um vazio. Um filme. Uma vida. Desenhada na areia... Esperando a maré lhe carregar para o infinito. Para o nada. Para o desconhecido. Sinto uma dor no ombro. Abro os olhos, meus amigos a me cutucar... Aparentemente um desmaio a beira-mar. “Me dêem licença, tenho muito a desenhar…”, disse e parti.
*Crônica inspirada no texto "In a Season of Calm Weather", de Ray Bradbury
