terça-feira, 5 de junho de 2012

Identidade

Certo dia, representamos a peça “Seis personagens a procura de um autor”, de Luigi Pirandello, e logo em seguida seria apresentado o terceiro ato de “A pena e a lei”, de Ariano Suassuna. Eu estava pronto para entrar em cena, quando minha diretora, Doriana Búrigo, me entregou um papel e com o que eu deveria falar no intervalo dos espetáculos. Enquanto contracenava com meus colegas, uma parte daquele humilde texto martelava minha mente. “(...) No decorrer deste confronto entre essas duas ‘verdades’ (personagem e humano), fica evidenciado, também, que o que garante a ‘vida da personagem’ e a ‘noção de identidade’ num indivíduo do mundo real é um mesmo elemento: uma ficção, uma construção artificial. Enquanto na personagem esta construção permanece pronta e acabada, no ser humano, por estar vivo, ela permanece sempre indefinida e acabada”. A identidade é uma construção? Ou somos como as personagens, nascemos com uma “cara” e permanecemos com ela? O que é uma identidade? Uma mascara talvez? Compartilho minhas dúvidas... Ao mesmo passo que acredito que somos sim inacabados. Em algumas fases de nossas vidas somos puros, outras raivosos, depois amorosos. E ao passo que encontramos outras pessoas neste caminho tortuoso, vamos criando nossa imagem. Para alguns derradeiros idiotas, para outros espertos. Para alguns arrogantes, para outros simpáticos. E desta forma ganhamos alguma identidade? Sim. Em cada momento de uma forma diferente. Somos obras inacabadas como as cidades. Sempre existe algo para se fazer. Vejo nosso cérebro como o prefeito e seus secretários. Alguns malandros, outros corretos. Porém todos governando a cidade (corpo). Controlando cada célula. Como na cidade, o corpo tem seus policiais, os glóbulos brancos, que tentam impedir a invasão  e o roubo de vida dos bandidos(vírus e bactérias). Algumas vezes sem sucesso. E assim a vida segue até que uma tempestade (sentimento) entre em cena e revire toda a ordem.  No corpo, não se tem uma eleição tão justa como na cidade. Já que não existe tempo para se mudar o prefeito e os seus comandados (idéias). A mudança, muitas vezes não é aceita e algumas outras nações tentando interferir nos negócios, também não. E dentro desta comitiva do poder, ao longo da vida, vamos, também, criando identidades, imagens de nós mesmos. Certas... Erradas? Não sei apenas imagens do que acreditamos ser, imagens artificiais.   E é da observação desta cidade (humano) que saem as personagens. Simples representações de partes de identidades. A vovó amorosa, o neto travesso. A mulher invejosa, o marido traiçoeiro... Imagens, Identidades jogadas ao vento do destino.  Ora heróis, ora vilões.... Ora vencedores, ora derrotados... E no meio deste paradoxo da vida, semeadores de atos que contribuíram para formulação da nossa identidade, em cada cena, neste teatro a qual representamos.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O sol da esperança!

Por de trás dos montes verdes a bola incandescente e dourada começa a mostrar sua face encantada. Quanto mais aparece, maior o número de raios brilhantes que bombardeiam a terra. Levando, em cada feixe de luz, um pouco de vida. Desta forma reascendendo nos corações sonolentos a esperança de um novo dia. Abro os olhos, abro as janelas e deixo os raios entrarem, não apenas em meu quarto, mas em minha alma. Feridas, histórias mal resolvidas, dor, tristeza... Tudo se esquece enquanto os raios solares voam como borboletas por meu corpo e me aquecem. Mais um dia que nasce no horizonte da vida. Mais uma chance de mudar. Saio da minha escuridão. E naquele segundo me perco dentro de mim. Vejo nascer, por de trás das montanhas de fracassos, uma chama incandescente, mas colorida. Seus raios vão flutuando devagar e iluminam os porões do meu coração. Acordando fadas que antes dormiam. Ascendendo chamas que estavam apagadas. Levando um pouco de vida à escuridão antes sentida. Os raios continuam a ganhar território e no campo das ilusões banham o amor que já não respirava, fazendo-o acordar. Vendo o sol da esperança à iluminar os porões do meu ser, o amor corre e começa a acordar o seu antigo exército: a generosidade, a solidariedade, a compreensão e muitos outros soldados, dentre eles seu braço direito: o Perdão. Enquanto os raios acham perdida na cidade da descrença: a Fé. Esta que andava cabisbaixa, vendo a luz divina reascender a cidade, abriu seus olhos e sentiu seu coração novamente bater. E um por um os cavaleiros da escuridão são extintos. O Egoísmo tenta escapar, mas banhado pelos raios de luz, a Generosidade lhe golpeia e o faz cair. O lado negro, que por muito me dominara, estava perdendo a batalha. E assim o exército do amor foi derrotando o exército do Ódio. Porém a guerra apenas começara. Já que por muitos anos o Ódio dominou o meu reino encantado. “Brilha sol da esperança e nunca pare de brilhar!”, grita minha consciência. De repente uma voz doce rompe minha aventura e toca meus ouvidos:

- Amor feche a janela este sol não me deixa dormir. – afirma a minha pequena, enquanto a observo, com sua carinha de anjo, cansada de tanto trabalhar. Sem imaginar, porém, a revolução que acontecia em meu ser.

“Nunca mais fecharei esta janela”, penso enquanto observo-a deitada. Um novo dia, uma nova maneira de enxergar a vida. Uma oportunidade...



domingo, 4 de março de 2012

O jardim

Caminhava pelas estradas de meu bairro quando meus olhos fizeram meu corpo parar e ficar imóvel. Ali, atrás dos muros, observavam um jardim magnífico e logo entendi porque minhas pernas pararam. Rosas tomavam café com margaridas, jasmins cantarolavam enquanto os Girassóis filosofavam buscando a luz da verdade. Cada flor parecia desfilar por entre a grama... Desfilar pela vida. Umas mais egoístas outras orgulhosas de sua beleza, mas cada uma, dentro de suas imperfeições, cumprindo com sua missão de me fazer, humano que sou descer de meu pedestal e reconhecer o divino naqueles segundos de contemplação. Meu coração angustiado pelo futuro que há de vir, perde-se, sem preocupações, ante aquelas cores maravilhosas. “Quem as plantou?”, pergunto-me. Além da visão meu olfato se entrega... Jasmins... Ah! Os jasmins... Como queria deitar-me sobre suas pétalas para morrer de sentir o adocicado perfume daquela brancura. “Quanto tempo demorou para que estas flores crescessem?”, continuo a me questionar. “Será que valeu a pena esperar?”. E assim tento imaginar como foi o processo de construção daquela maravilha. Preparar a terra, desenhar onde cada flor seria plantada e, então, jogar as sementes. Após, esperar Deus fazer seu milagre e da inerte terra ver brotar um caule verde e sem graça. E deste caule as folhas, das folhas as primeiras flores. Porém cada flor demorando seu tempo para desabrochar... E logo recordo de minha infância e das sementes plantadas dentro de meu coração. Ali, naqueles poucos segundos, descubro que, dentro de suas imperfeições, as flores cumprem sua missão de alegrar, embelezar, perfumar e, mais importante de tudo, despejar amor à sua volta. Algumas flores morrem para que paixões possam nascer. Outras simplesmente vivem a procura do sol da verdade. E assim, cada uma, dentro de si, carrega seu fardo e cumpre sua missão sem se preocupar, me emocionando pela sua simplicidade. Olho para o céu e pergunto... “Jardineiro está feliz com sua angustiada flor?”


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Baile de Máscaras

Nasce mais uma criança no baile da vida. Ela corre, brinca e se diverte. Com todo o seu amor briga e perdoa em segundos. Rancor? Palavra desconhecida no mundo das algazarras. De repente os cabelos crescem, a barba aparece e junto os afazeres e responsabilidades. Assim as pernas se espicham, o coração descobre o que é sofrer e os amores desabrocham como flores negras. Algumas feridas começam a cicatrizar enquanto outras aparecem. É quando a criança, que antes bailava sem se preocupar, começa a ser barrada na porta do baile. “Trouxe sua máscara?”, perguntam os seguranças. Logo, para participar, ela escolhe o seu disfarce e começa a dançar. Como todos os outros, escondido por de trás de um pano, observa tudo o que acontece ao se redor. “Nossa, não acredito que Maria está saindo com o João. Ele deixou da mulher para ficar com aquela adúltera!”, afirma uma senhora para seu esposo. “Com certeza! Que pessoas sem escrúpulos”, responde o homem utilizando-se sempre da sua máscara. E, assim, o baile continua sem parar. Alguns se vestem de negro, outros de branco, azul, amarelo e um arco-íris de cores se forma. Todos os dias, todos trocam de cor. E nossa criança, antes ingênua, agora com sua máscara de homem da lei julga a todos com sua língua. “Culpado! Culpado! Culpado!”, esbraveja. Sempre bailando, ele continua a dançar em ritmos diferenciados. Hora seus pés balançam, ante a um bom samba. Hora param e deslizam devagar perdidos entre baladas românticas. Muitos corpos femininos possui em sua estante, mas sempre preservando a sua identidade, como elas, também, o fazem. O baile não é de máscaras? Então por que tirá-las? Ao seu lado, pessoas, também, apreciam o toque musical da orquestra do tempo. E como um bom vinho envelhecem e aprendem ou então, mal cuidados, tornam-se vinagres azedos nas saladas familiares. “Não seja assim. Não! Não! Você está errada! Sempre estará!”, grita uma moça para sua irmã que, reprimida, busca apenas aceitação. Porém grita a moça querendo ser totalmente despida como sua irmã. Sem precisar usar de máscaras para bailar. Enquanto, nossa criança, continua perdida entre o que faz e o que é. Utilizando-se de diversos disfarces continua gingando no seu ritmo furtivamente, mas seu coração quer gritar e jogar todas aquelas pesadas roupas para o alto. Observa ao balé e tem vontade de vomitar. E o pior, se enxerga no meio de convenções e ideais professadas por outras pessoas de máscaras que, sempre, se contradizem. Mulheres esbravejando, ante aos adultérios escondendo um amante em sua carapuça. Homens xingando os poderosos, deixando atrás de suas máscaras a vontade de ter poder. Todos julgando os atos uns dos outros, como se fossem a justiça divina. Porém, perdidos por de trás de suas máscaras... Já não se entendem e deixam a tristeza dominar a face rubra. De repente, uma mulher se aproxima da nossa criança. Porém não é como as outras e depois de tanto dançarem se revelam. Sem máscaras descobrem-se frágeis e apaixonados. Fora das regras de convivência... Sentem-se completos. Porém algumas convenções os separam. Crenças, ideias... Máscaras... e agora? “Vamos embora deste baile!”, suplica nossa doce criança.  “Não posso fugir”, responde a donzela.  Esperam... Enquanto o baile continua. A orquestra do tempo, implacável, não para. E os dias são como trágicas óperas. E a tristeza e a angústia dominam os dois corações. Ambos sabem que antes de dormir, já sem máscaras, pensam um no outro e lembram-se dos abraços e das frases de amor. Dos dias se revelando e das noites em claro esperando apenas por um encontro rápido ou uma troca de olhar. E o baile perde seu sentido. E tudo, passa apenas de conveniência.  Por que não rasgar as antefaces e simplesmente serem felizes? Não... O jogo deve continuar.  A gentil donzela... O sério homem.  Tratando-se como objetos em uma estante, pensando que sempre estarão no mesmo lugar. Porém a orquestra continua a tocar e o baile sempre faz com que as pessoas troquem de lugar. E assim... Tudo passa. Até que o baile coloca novamente, na mesma dança nossa criança e sua donzela. E assim, bailando rasgam seus disfarces e decidem enfrentar seus próprios medos e dançam... Até o baile acabar.